MAR
A MARIA
AMAR
14/1/85
Não
Não quis falar à Maria
O que eu tinha para viver
A ela eu nego o que digo
E não digo o que quero
Nem ligo
Saí a cavalo para o combate
Que me esperava nas ruas
E dei de cara com as tuas pernas nuas
Num instante eu me esqueço
Isso não tem começo
Só fim
Já foi o tempo do meu encanto
E num canto penso lento
A hora da nossa morte
Alma e corpo num alento
Divagam
Mas não tanto
Que eu já não tento
Diz da vida quem não vive
- A vida é curta
Curte a vida e velho fica
E vê o que te vivifica
E no meu corpo já não tenho marcas
Que não sejam cortadas por outras cicatrizes
Que o ferir humano é sempre o mesmo sofrer
Mas não ligo
Recuerdos
julho 85
Dos tempos passados guardei sementes
E de vez em quando
quando me ouves
Planto de novo e vejo crescer
Meus sonhos desfeitos
Esperanças perdidas
Pouca valia...
Mas
Às voltas com o mundo
Que como mate
Embora amargo não se dispensa
Um cachorro guaipeca
Um jipe de plástico
Uma marca no rosto
Um mato de acácias
Aquece o viver lembrar
E contar vislumbrando
O guri gaúcho que sou
E aos poucos em teus braços
No teu colo desato
Os laços da memória
E com eles teço recuerdos
De coisas que fui e hoje são
Posse secreta de minh’alma
3/9/87
FORA DE LUGAR
Teatino
Morre na rua sem Deus
Teto
Destino
Um sem Marca
Caminho
Regresso
Desempregado
Falido
Arrasado
Franzino
Faminto
Febril
Bastardo
Negrinho torto
Que não tinha Coisa
Vintém
Amor
Nem onde cair
SOLIDÃO ESTÁ NA RUA
Solidão é ansiosa e cala
Sente medo e fica
Meditando
Existe uma queixa muda
Pega o silêncio e escreve
Mas lhe é negada a vitrine
Ou palavra que rime
Solidão tem insônia
E se mexe na cama
Ao lado a desesperança
Do que ela queria quando moça
No quarto, o cheiro
De todos os desejos abortados
Abatida e com olheiras
Ronca de porre
E de boca aberta
As decepções moeram-lhe o corpo
E a alma
Secura pelo que poderia ter sido
Se soubesse a tempo
Sem testemunha
Solidão cai da janela
O peso dos anos e os trancos da vida
Atiram-na do sétimo andar
Ontem foi seu aniversário
Os vizinhos informaram:
Ninguém foi vê-la
O porteiro informou:
Ninguém veio velá-la
OFICIAL DE VISIONÁRIO 8/7/85
Está em mim a luta de todos os seres humanos
Contra a fatalidade
A pretensão escandalosa de um espírito
Que se recusa a viver apenas um destino
E se precipita , então
Em todas as intemperanças
Na efemeridade de todas as coisas
Busco a ânima e a própria essência
Que me faça viver mais vidas do que tenho
Outros tempos que não o meu
Vivo e reino em minhas imagens mortais
Criadas para a glória fugaz
No palco que trago no âmago
Nesta minha multiplicação herética de almas
E deboche de padrões convencionados
O imponderável fará de mim
Esse amálgama de mil vidas
Esse preparo orgânico
Genético, até:
Oficial de Visionário
E quanto mais estreito o limite que me é dado
Para criar essa outra personagem
Tanto mais necessário que ela seja intensa
É preciso que ela exprima todo um destino excepcional:
O fim do caminho sem saída
Que passo a vida a percorrer
Outubro/85
Vai a estrela outra
Guia dos meus passos
Luz dos meus dias
Incendeia minh’alma que desbota
As cores velhas da tristeza
Ergue meus sonhos tão alto
Que de tão altos
Já não posso mais olhá-los
Junho//84
SONETO DA MULHER AMADA
Nos caminhos do teu corpo
Me procuro embevecido
E me encontro semimorto
De tudo o mais já esquecido
No carinho dos teus braços
Estendo meus sonhos esperados
E nada quero perder
Desses gestos encontrados
Mulher encanto ou encanto de mulher
Que mais que um sonho é um sentimento
Mais que a carícia é o próprio carinho
Você é o Paraíso e não só a maçã
É o mundo encantado e a própria fada
Caminho de flores na minha jornada
POETA DE EFEMÉRIDE
Condenei-me a ser poeta de efeméride
A fazer versos alegres, apaixonados
E a engolir a angústia bruta e burra
Do mediano cotidiano
Condenei-me a ser medíocre
A sofrer um pouco, disfarçando
A não chorar as ausências
E a fingir não querer querendo
Por onde será que anda a minha alegria?
Onde enfiei a autoestima
E a segurança que me faziam brilho?
Aonde foram parar as minhas asas
Que eu nutria de liberdade e ambição?
Cada dia sei mais que te amo
Cada dia sei mais que te quero
E posso dizer isso sem medo
Com a liberdade com que me entrego a esse amor
A felicidade vem rolando
Como a água de um riacho
Calma e regularmente entre as pedras
Avolumando-se
Minha estrela
Me diz um bom dia que hoje o Sol não apareceu
Vem fazer dia na minh’alma vazia
BRISA AMAR
Mar e praia deserta
Barcos oscilando
Gaivotas voando
Tu e eu de mãos dadas
A andar e a olhar
E a engolir o amar com os olhos
Heróis de sonhos
Escondidos em Botafogo
Brincando de adolescentes:
Sou um sorvete de casquinha
Que comes e lambes os dedos
Dentro de ti no Corcovado
O Sol atrás dos braços
A Urca e o Pão de Açúcar
Tão juntos e junto ao mar
Como eu a ti quero ficar
MULHER ENCANTADA
Você é a carícia de finos cabelos
Mansa nuvem de ternura
Viajar por um espaço imenso
Num simples contato da mão
Você é o sol em tarde de chuva
Arco-íris por sobre o mar
Onda imensa de suaves carinhos
Emoção incontida em qualquer lugar
Você é um suave perfume
Doce cheiro de mulher
Impulso fatal do desejo
Lúcido transe de paixão
Você é palavras gentis de uma boca doce
Presença constante no pensamento
Rima que aflora a qualquer momento
Você é o paraíso e não só a maça
É o mundo encantado e a própria fada
Caminho de flores na minha jornada
Um dia feliz
Só podia terminar contigo
Sentados naquela praia
Na beira d’água a olhar e a olhar
E a engolir o mar com os olhos
DEPOIS DE TE AMAR
Sou agora simplesmente
Flor abrida airosamente
Assim
Iluminadamente
Tão amorosamente
No brilho, no mel, na fantasia
Doce e pura poesia
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