sexta-feira, 12 de agosto de 2011

aprendiz de sonhador



MAR
A MARIA
AMAR












14/1/85


Não
Não quis falar à Maria
O que eu tinha para viver

A ela eu nego o que digo
E não digo o que quero
Nem ligo

Saí a cavalo para o combate
Que me esperava nas ruas
E dei de cara com as tuas pernas nuas

Num instante  eu me esqueço
Isso não tem começo
Só fim

Já foi o tempo do meu encanto
E num canto penso lento
A hora da nossa morte
Alma e corpo num alento
Divagam
Mas não tanto
Que eu já não tento





Diz da vida quem não vive
-         A vida é curta

Curte a vida e velho fica

E vê o que te vivifica

E no meu corpo já não tenho marcas
Que não sejam cortadas por outras cicatrizes
Que o ferir humano é sempre o mesmo sofrer
Mas não ligo











Recuerdos
                                         julho 85

Dos tempos passados guardei sementes
E de vez em quando
                    quando  me ouves
Planto de novo e vejo crescer
Meus sonhos desfeitos
Esperanças perdidas
Pouca valia...

Mas
Às voltas com o mundo    
 Que como mate
Embora amargo não se dispensa
Um cachorro guaipeca
Um jipe de plástico
Uma marca no rosto
Um mato de acácias
Aquece o viver lembrar
E contar vislumbrando
O guri gaúcho que sou

E aos poucos em teus braços
No teu colo desato
Os laços da memória
E com eles teço recuerdos
De coisas que fui e hoje são
Posse secreta de minh’alma







3/9/87

FORA DE LUGAR




Teatino
Morre na rua sem Deus
                              Teto
                              Destino
Um sem Marca
               Caminho
               Regresso
Desempregado
Falido
Arrasado
                          Franzino
                          Faminto
                          Febril
                                           Bastardo
                                           Negrinho torto

Que não tinha Coisa
                          Vintém
                          Amor

                                           Nem onde cair











SOLIDÃO ESTÁ NA RUA

Solidão é ansiosa e cala
Sente medo e fica
Meditando
Existe uma queixa muda
Pega o silêncio e escreve
Mas lhe é negada a vitrine
Ou palavra que rime

Solidão tem insônia
E se mexe na cama
Ao lado a desesperança
Do que ela queria quando moça
No quarto, o cheiro
De todos os desejos abortados

Abatida e com olheiras
Ronca de porre
E de boca aberta
As decepções moeram-lhe o corpo
E a alma
Secura pelo que poderia ter sido
Se soubesse a tempo

Sem testemunha
Solidão cai da janela
O peso dos anos e os trancos da vida
Atiram-na do sétimo andar
Ontem foi seu aniversário
Os vizinhos informaram:
         Ninguém foi vê-la
O porteiro informou:
         Ninguém veio velá-la








OFICIAL DE VISIONÁRIO                                            8/7/85


Está em mim a luta de todos os seres humanos
Contra a fatalidade
A pretensão escandalosa de um espírito
Que se recusa a viver apenas um destino
E se precipita , então
Em todas as intemperanças

Na efemeridade de todas as coisas
Busco a ânima e a própria essência
Que me faça viver mais vidas do que tenho
Outros tempos que não o meu

Vivo e reino em minhas imagens mortais
Criadas para a glória fugaz
No palco que trago no âmago

Nesta minha multiplicação herética de almas
E deboche de padrões convencionados
O imponderável fará de mim
Esse amálgama de mil vidas
Esse preparo orgânico
                          Genético, até:
Oficial de Visionário

E quanto mais estreito o limite que me é dado
Para criar essa outra personagem
Tanto mais necessário que ela seja intensa
É preciso que ela exprima todo um destino excepcional:
                 O fim do caminho sem saída
                  Que passo a vida a percorrer



  




Outubro/85

Vai a estrela outra
Guia dos meus passos
Luz dos meus dias

Incendeia minh’alma que desbota
As cores velhas da tristeza

Ergue meus sonhos tão alto
Que de tão altos
Já não posso mais olhá-los









Junho//84

SONETO DA MULHER AMADA

Nos caminhos do teu corpo
Me procuro embevecido
E me encontro semimorto
De tudo o mais já esquecido

No carinho dos teus braços
Estendo meus sonhos esperados
E nada quero perder
Desses gestos encontrados

Mulher encanto ou encanto de mulher
Que mais que um sonho é um sentimento
Mais que a carícia é o próprio carinho

Você é o Paraíso e não só a maçã
É o mundo encantado e a própria fada
Caminho de flores na minha jornada












POETA DE EFEMÉRIDE

Condenei-me a ser poeta de efeméride
A fazer versos alegres, apaixonados
E a engolir a angústia bruta e burra
Do mediano cotidiano

Condenei-me a ser medíocre
A sofrer um pouco, disfarçando
A não chorar as ausências
E a fingir não querer  querendo

Por onde será que anda a minha alegria?
Onde enfiei a autoestima
E a segurança que me faziam brilho?
Aonde foram parar as minhas asas
Que eu nutria de liberdade e ambição?








Cada dia sei mais que te amo
Cada dia sei mais que te quero
E posso dizer isso sem medo
Com a liberdade com que me entrego a esse amor









A felicidade vem rolando
Como a água de um riacho
Calma e regularmente entre as pedras
Avolumando-se










Minha estrela
Me diz um bom dia  que hoje o Sol não apareceu
Vem fazer dia na minh’alma  vazia





















         BRISA AMAR

Mar e praia deserta
                          Barcos oscilando
                          Gaivotas voando
Tu e eu de mãos dadas
                          A andar e a olhar
                          E a engolir o amar com os olhos
Heróis de sonhos
                          Escondidos em Botafogo
                          Brincando de adolescentes:
Sou um sorvete de casquinha
                          Que comes e lambes os dedos
Dentro de ti no Corcovado
                          O Sol atrás dos braços
A Urca  e o Pão de Açúcar
                          Tão juntos e junto ao mar
                          Como eu a ti quero ficar

















MULHER ENCANTADA

Você é a carícia de finos cabelos
Mansa nuvem de ternura
Viajar por um espaço imenso
Num simples contato da mão

Você é o sol em tarde de chuva
Arco-íris por sobre o mar
Onda imensa de suaves carinhos
Emoção incontida em qualquer lugar

Você é um suave perfume
Doce cheiro de mulher
Impulso fatal do desejo
Lúcido transe de paixão

Você é palavras gentis de uma boca doce
Presença constante no pensamento
Rima que aflora a qualquer momento

Você é o paraíso e não só a maça
É o mundo encantado e a própria fada
Caminho de flores na minha jornada
















Um dia feliz
Só podia terminar contigo
                 Sentados naquela praia
                 Na beira d’água a olhar e a olhar
                 E a engolir o mar com os olhos









DEPOIS DE TE AMAR

Sou agora simplesmente
Flor abrida airosamente
Assim
Iluminadamente
Tão amorosamente
No brilho, no mel, na fantasia
Doce e pura poesia






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