quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Breve História da África


A ÁFRICA NA ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA

Você seguramente já escutou falar da África, esse continente tão importante para a história do Brasil e do mundo. Nem sempre as imagens que nos são passadas sobre a África hoje mostram toda a complexidade e riqueza de sua longa história. Nesta aula nós vamos conhecer um pouco mais sobre esse continente que foi o berço da humanidade, que deu as bases à civilização egípcia e foi considerada a “terra do ouro” pelos europeus na Idade Média. Um continente com uma população e paisagens muito diversas, e muitas riquezas no seu subsolo.

Aprendemos que foi na África onde surgiram os primeiros seres humanos e também que foi lá de onde saíram as primeiras migrações destinadas a povoar o mundo em que vivemos. Em territórios africanos surgiram as primeiras formas de organizar a vida em grupo das sociedades humanas, como a família. Descobertas que facilitaram a sobrevivência humana como a aprendizagem no erguer-se sobre as duas pernas e o controle sobre o fogo tiveram na África seu cenário.
Sabemos também que o Egito, que fica no norte da África, foi um dos primeiros lugares onde se inventou a escrita e no qual surgiu um grande império que durou milênios. As relações do Antigo Egito com o interior do continente sempre foram importantes para sua identidade política e religiosa, desde a sua formação. Ao sul do Egito em 2000 a.C. surgiu o poderoso reino, de Kush., na região que mais tarde ficou conhecida como Núbia. Os kushitas dominaram o Egito entre os anos 750 e 700 a . C. e deixaram marcas da sua presença nas artes e arquitetura egípcia. No reino de Kush era muito importante a figura da candace, título dado à rainha-mãe que não poucas vezes assumiria o trono e comandaria os exércitos.



Uma das candaces mais célebres na história de KUSH foi AMANISHAKETO , que viveu na mesma época que Cleópatra e, estando no comando, enfrentou os exércitos do poderoso império romano e os obrigou a firmar um acordo de paz.. Dessa maneira a partir do ano 21 a . C, o reino e Kush ficou livre de pagar impostos ao governo de Roma.



Com tradição em fazer enredos com temática afro no carnaval carioca, o Salgueiro defendeu a força da mulher negra em 2007.





Alem do Egito , na Antiguidade também teve grande poder o reino de Aksum, na Etiópia, surgido no século V a . C Seus soberanos diziam descender da Rainha de Sabá e do Rei Salomão de Israel, personagens presentes na Bíblia.Os governantes desse reino ordenaram que se construíssem palácios e grandes torres de pedra para seu luxo e poder. Foi o primeiro estado africano a cunhar sua moeda e criaram um alfabeto próprio  no século III.


Mais tarde, no Norte do continente foi fundada a cidade de Cartago que tanto desafiou Roma na Antiguidade, durante as chamadas guerras púnicas (aula XX). Nessa mesma região norte, foi criada a Província Africana, como parte do Império Romano que se empenhara em conquistá-la. Sem dúvida, a presença dos povos e dos recursos do continente na história do mundo mediterrâneo na Antiguidade é fundamental.
O Norte do continente era a parte da África melhor conhecida pelos europeus. Isso se dava pela proximidade e por que, além dessa região, em direção ao Sul, vinha o deserto. No entanto, o deserto do Saara não era um obstáculo intransponível. Os povos que o habitavam conheciam os caminhos certos para cruzarem as montanhas e vales de areia, e sabiam também como se proteger das tempestades e localizar os oásis para descansar e refrescar-se. Mas, quem não era familiarizado com aquelas rotas poderia perder-se facilmente. Portanto, a ligação do Norte do continente com a África subsaariana era feita principalmente por berberes e tuaregues, gente do deserto. No lombo dos camelos, cruzavam o Saara e guiavam mercadores e viajantes por caminhos que seguiam as posições dos astros. E assim, por meio desses tipos de vias, o continente africano se ligava a outras partes do mundo. Não estava isolado, nem era terra totalmente desconhecida por estrangeiros antes da presença européia pelo oceano Atlântico.



Os grandes reinos da África Ocidental

Na África, durante o período conhecido como Idade Média na história da Europa, houve grandes e poderosos reinos, como os de Gana, Mali e Songai. Esses reinos, localizados na África Ocidental, ficaram conhecidos pelo controle que tinham sobre as rotas de comércio e as minas de ouro na sua região. Realizavam comércio com diferentes partes do mundo, incluindo a Europa e o Oriente, através das rotas de caravanas que atravessavam o deserto de Saara e chegavam ao norte da África. No comércio de longa distância se fazia ao mesmo tempo contatos e trocas de mercadorias, bem como intercâmbios de tecnologias e conhecimentos. Tudo isso ocorreu entre os séculos IX e XV, num tempo em que os portugueses ainda nem conheciam o Brasil.
A riqueza desses reinos africanos ficou tão famosa que seus soberanos eram representados com uma pepita de ouro nas mãos num mapa europeu do século XIV. Além do ouro, havia outros produtos valiosos que vinham do território africano: o sal era um desses. As minas de sal do deserto forneciam essa valiosa mercadoria, vendida a alto preço na Europa e no Oriente. E também havia o marfim, com o qual se fabricavam objetos de decoração e jóias. A África era conhecida como a terra do ouro, do marfim e das minas de sal.


MAPA DE ABRAÃO CRESQUES (1375), famoso cartógrafo marroquino. Também conhecido como Atlas catalão do rei Carlos V (França, século XIV)




Além das vias terrestres, havia também rotas marítimas pelo litoral da África Oriental, via Oceano Índico, em direção à Índia e à China. As correntes marítimas facilitavam a navegação para os hábeis navegadores africanos e seus parceiros que conheciam seus movimentos nas diferentes estações do ano A costa oriental africana tinha ricas cidades-porto movimentadas pelo ir e vir de barcos, pessoas e mercadorias. Havia nesse litoral comerciantes indianos e árabes, além de muitos africanos. Era ativa a negociação com grupos do interior do continente, que traziam marfim, peles, cascos de tartaruga, chifres de rinocerontes, plumas de avestruz, âmbar e ceras.. Na costa recebiam tecidos e especiarias vindas da Índia, porcelanas chinesas, sedas do Japão, entre tantos outros produtos.
Esse comércio marítimo começou há mais de dois mil anos ao longo dos quais foi se formando no local uma comunidade de muitas nações. Até mesmo mercadores da Indonésia e da China foram atraídos pela prosperidade do litoral da África oriental. No entanto, e como veremos adiante nessa aula, foi com a expansão árabe-muçulmana a partir do século VII que o desenvolvimento da atividade mercantil pode alcançar seu máximo florescimento.


A FORMAÇÃO DOS POVOS E CULTURAS NA ÁFRICA
 A expansão banto
As sociedades africanas ao longo de sua história viveram longos processos de migração e adaptação às mudanças climáticas no interior do continente. Essas migrações povoaram e fizeram surgir cidades e aldeias da África, bem como os diversos povos que surgiram da expansão e da fixação de alguns grupos em territórios que por eles foram conquistados. Nem sempre pacificamente conquistados, esses territórios deram a base para surgirem as primeiras fronteiras entre as terras de cada um dos grupos assentados. Ainda que não definidas de forma precisa, havia uma extensão de terra vinculada a um grupo determinado.
Os que compartilhavam uma história de migração comum e a conquista de um território, com o tempo desenvolveram uma tradição comum e uma língua também. Muitas vezes seus vizinhos de região tinham a mesma antiga origem. Mas, o momento em que partiram na sua migração, os caminhos que tomaram e diferente maneira pela qual cada um dos grupos se apossou da terra, mudaram sua história. Mudando a história, mudava também a sua tradição e a sua identidade. Tinham uma origem comum, mesmo que distante no tempo, eram vizinhos, mas eram povos distintos. Assim, foram se formando as identidades dos grupos, mais tarde chamadas de identidades étnicas.



Etnia e identidade étnica
Etnia é um conceito utilizado para diferenciar um povo de outro, tendo como base a língua, a história, a localização (território), a religião e a ideia de origem comum de todos os seus integrantes. A identidade étnica é formada por esses aspectos em comum que unem as pessoas de uma mesma etnia ou povo, como preferimos falar.

Vamos conhecer um dos mais importantes processos migratórios na África, que transformou a ocupação do continente e deu origem a muitos povos.
O nome banto pode soar familiar a alguns de nós. Banto é um tronco lingüístico (uma base para o surgimento de muitos idiomas) e dele derivam diversas línguas faladas por africanos e africanas trazidos para o Brasil. Temos na língua portuguesa que utilizamos no nosso país várias palavras de origem banto.


PRESENÇA DAS LÍNGUAS DE ORIGEM BANTO NO BRASIL 
As línguas de origem banto, trazidas pelos africanos escravizados para o Brasil, trouxeram muitas palavras para o Português que falamos e escrevemos e nós as utilizamos no dia-a-dia, tais como CARIMBO, FAROFA, MOCHILA, NENÉM, QUITANDA e XODÓ, entre muitas outras.

Mas, o que quer dizer esta palavra: banto ?
Banto é uma palavra que resulta da combinação de ‘ntu’ (ser humano) acrescido do prefixo ‘ba’, que designa plural. Ou seja, banto (em alguns lugares é escrita como bantu) quer dizer: ‘seres humanos’ ou ‘gente’.
Os bantos, isto é: os grupos de línguas banto não formam um só povo. Eles compartilham uma origem em termos dos idiomas e dialetos que falam. No entanto, sabemos que compartilhar palavras ou expressões das línguas que falamos geralmente também significa compartilhar aspectos culturais. Ou seja: isto indica que poderíamos encontrar algumas semelhanças nas formas de interpretar a realidade entre os povos de línguas bantas. Mas, isso não fez deles um povo e muito menos um grupo étnico.
A ocupação dos bantos sobre grandes áreas do continente africano ao sul da linha do equador se deu muito lentamente, ao longo de milhares de anos.  A primeira grande leva teria se movimentado ainda no final do IIº milênio a.C., saindo de uma região que hoje ficaria fronteiro norte entre o Camarões e a Nigéria. Estes grupos cruzaram a região onde fica hoje a República Centro Africana, ocupando áreas dentro e fora da floresta equatorial, a oeste e a leste. Ao se estabelecerem, de forma sedentária ou semi-sedentária, introduziram dois sistemas diferentes de produção de alimentos, que se adaptaram respectivamente às florestas e à savana. Eram agricultores e foram os primeiros nesta região a se organizar em aldeias e a agrupar estas aldeias em unidades mais abrangentes, com cerca de 500 pessoas cada.
Uma segunda leva migratória se deu em torno do ano 900 a.C., quando terminava a longa expansão inicial. A esta altura havia dois grandes grupos, falando línguas aparentadas, porém diversas: os bantos do oeste (norte da atual República Popular do Congo e leste do Gabão) e do leste ( atual Uganda).  Os do oeste desceram para onde é hoje o norte de Angola e chegaram a uma região mais seca. Outros permaneceram na fronteira entre a savana e a floresta, seguindo os cursos de água. Enquanto isso, os do leste moveram-se em direção ao Sul, para o sudeste do Zaire e Zâmbia atuais.
È importante lembrar que estes processos expansionistas não foram invasões. Fizeram parte de um movimento de populações, lento, e com intensidade irregular, e que não poucas vezes levou estes bantos a estabelecerem contatos e misturar-se com grupos que já habitavam as regiões ou regiões próximas aonde chegavam. As pesquisas lingüísticas e arqueológicas demonstram que algumas vezes os bantos mudaram seu modo de vida, tornaram-se pastores nômades,e chegaram em alguns casos a transformar sua própria língua.
Novas ondas migratórias dos grupos banto do leste desceram em direção ao Sul, nos séculos iniciais da era Cristã, e parecem ter levado junto consigo as importantes técnicas de metalurgia para estas áreas. A esta altura seriam, além de agricultores, também ferreiros. O domínio desta técnica modificou enormemente a vida destes povos. A partir deste momento - em torno do século V - e como resultado desta verdadeira rede de movimentos de população, expandiram técnicas de produção de alimento e metalurgia entre os povos da África sub-equatorial.


Uma vez que a produção de alimentos estava mais assegurada, houve maior tendência a que estes grupos ficassem sedentários. E as populações foram ficando mais fortemente ligadas aos seus territórios. Os contatos entre os grupos se intensificaram com as trocas entre produtores de diferentes tipos de alimentos, segundo a região. O inhame e o azeite de dendê, juntamente com a caça e pesca das áreas mais próximas às florestas podiam ser trocados por cereais e outros produtos (inclusive artesanais) de áreas próximas. E estas mudanças todas foram sendo acompanhadas por transformações nas organizações sociais destes grupos. Surgiram novos modos de reconhecer e se relacionar interna e externamente. Em alguns casos, apareceram divisões sociais mais profundas e em outros se criaram autoridades a partir da história de liderança da ocupação da terra. E, em todos os casos, estas criações para o funcionamento da vida em sociedade se referendaram no mundo espiritual, parte inseparável do entendimento da vida para estas populações.
Assim, e paralelamente a esta história de ocupação de grandes partes da África ao sul do equador, foram surgindo grupos que, por uma história, língua, crenças e práticas em comum passaram a constituir povos. Isto ocorreu longamente, entre o século V a.C e século V da nossa era.  Foram surgindo novas identidades de grupo.
A situação ambiental sempre foi básica nesta construção. E a identidade coletiva passou a dar sentido à vida das pessoas: o pertencimento à comunidade tornou-se o elemento definidor da pessoa. Não existia a idéia do indivíduo, o ser humano era parte da comunidade ou não era ninguém. Por isto, quando ocorria a escravização, o escravo passava a ser considerado um estrangeiro – ou seja, alguém sem vínculos com a comunidade.

A África Muçulmana


Vimos nas aulas de História sobre a civilização muçulmana e toda sua riqueza e conhecimento. Sabemos também que o Islamismo nasceu na Península Arábica na primeira metade do século VII e dali se expandiu para a Ásia e para o norte da África. A expansão islâmica não se dava inicialmente pela força, a tarefa dos muçulmanos era a de convencer os descrentes que deveriam voluntariamente aceitar a nova fé. Mas, na medida em que os fiéis ao Islã dominaram politicamente o norte da África, seus sistemas de justiça e de governo colocavam na religião suas bases. E muitos dos governados, por convencimento real ou por considerarem estrategicamente mais interessante, se converteram. Pouco a pouco a religião muçulmana dominou do Egito ao Marrocos.
A partir do norte do Egito, os muçulmanos tentaram ir mais ao sul, mas esbarraram nos exércitos da Núbia cristã. Derrotados, foram forçados a reconhecer a autonomia do reino cristão núbio. Mas, do Norte conseguiram expandir-se para o Oeste (que, em árabe, quer dizer Magreb, nome pelo qual esta região da África ficou conhecida). Foram pouco a pouco conseguindo dominar o Norte do continente africano, durante a segunda metade do século VII. A partir dali, cruzaram o mar Mediterrâneo e conquistaram partes do sul da Europa, incluindo a Península Ibérica (Espanha e Portugal).
Ao conquistarem o norte da África também estabelecem as bases da cultura islâmica, em especial as escolas de ensinamento religioso. No entanto, não há maiores extensões do Islamismo ao sul das planícies costeiras antes do século XI.  Existiram antes algumas conversões entre os nômades berberes, mas suas práticas religiosas estavam longe do que pregavam os ensinamentos do Alcorão – livro sagrado do Islamismo, assim como é a Bíblia para os cristãos. Somente no século XI foi que a adesão de um chefe berbere iniciou uma série de mudanças e uma onda de conversões na direção sul, incluindo os povos do deserto e a região na franja do deserto na África Ocidental.
Esta expansão fez com que o Islã chegasse não apenas aos povos e aldeias daquela região da África como ao poderoso reino de Gana, um dos grandes reinos da África Ocidental do qual falamos e que se localizava na fronteira sul dos atuais países Mauritânia e Mali, entre os séculos V e XIII. Por meio dos grandes comerciantes deste reino, o ouro da África Ocidental chegava até a Europa, cruzando o deserto de Saara nas caravanas rumo ao Norte e dali atravessando o Mediterrâneo. Mas, as reservas de ouro não estavam propriamente no território do reino e sim mais ao Sul, e os comerciantes de Gana tinham acordos com o povo da área das minas de ouro que lhe dava exclusividade em sua obtenção.
Os soberanos de Gana não se converteram ao Islã, mas abriram as portas do reino aos muçulmanos. Estes últimos, ligados ao comércio caravaneiro, incluíram o reino numa rede mercantil que atravessava o Saara, e chegava não só à Europa, mas ao Oriente Médio e Extremo Oriente, nas rotas de longa distância. O Islã não fez inaugurar o comércio transaariano, pois este já existia desde há muito e fora em especial fortalecido com a disseminação do uso do camelo como animal de transporte a partir do século V.
A religião muçulmana também se estendeu a Oriente, chegando até a Índia e às fronteiras da China. E o pertencimento ao Islã fortaleceu este comércio e inseriu Gana, assim como outros reinos da África Ocidental numa dimensão transcontinental. Uniu mercados da África Ocidental às cidades italianas (Gênova e Veneza, sobretudo), ao Oriente Médio, à Europa Oriental, indo até a Índia, China e Japão.
Como o Islã fortaleceu este comércio de longa distância?
Ora, um dos pontos mais importantes para a religião muçulmana é a questão da formação de uma relação de irmandade entre os fiéis. Como se trata de uma religião sem autoridades e hierarquias centralizadoras (diferente, por exemplo, da Igreja Católica), o fiel fortalece sua fé e encontra orientação juntando-se a outros. Eventualmente, um estudioso, um sábio do Islã funciona como referência, mas a irmandade é a base. E isto faz dos vínculos entre os muçulmanos algo muito forte, que inclui apoio e compromisso.
Logo, ao aderir ao islamismo, os comerciantes entravam também nestes grupos, e passavam a fazer parte das confrarias muçulmanas. E as normas quanto à honestidade nos negócios e à hospitalidade a um irmão de fé em viagem eram algo sagrado. Portanto, o comércio entre muçulmanos se tornava muito mais seguro. Além disso, um fiel do Islã faria negócios com muito mais boa vontade com um seu irmão de fé. E mais ainda: as redes muçulmanas se estendiam em rotas muito amplas, que chegavam até Pequim, passando por Bagdá e pela Cashemira, entre outros tantos lugares onde se obtinha produtos cobiçados pelo grande comércio.
Depois de Gana, outros reinos surgiram nas franjas ao Sul do deserto da África Ocidental Foram os reinos de Mali (séculos XIII-XV) e Songai – também conhecido como Gao (séculos XV-XVII), aos quais nos referimos no início dessa aula. Além destes reinos, as cidades hauçás (no norte da Nigéria) se destacaram nas relações comerciais transaarianas. Nos reinos de Mali e Songai os soberanos se converteram ao Islã, fortalecendo ainda mais as conexões desta região com as rotas de longa distância comandadas por muçulmanos. A política dos Mansa (palavra que queria dizer ‘rei’ no Mali) atraiu mercadores, professores e profissionais de diferentes área para seu reino, tal era a prosperidade local. Em Tombuctu, uma das mais famosas cidades da região do Sudão Ocidental, entre as mercadorias mais valorizadas estavam os livros, tal a concentração de sábios e estudiosos.



Entre 1324 a 1325, um soberano do Mali, chamado Kankan Mussa, mais conhecido como Mansa Mussa, fez uma peregrinação à cidade sagrada dos muçulmanos, Meca. Esta cidade fica na Península Arábica. Portanto, o cortejo do Mansa Mussa cruzou os desertos, passou pelo Cairo(Egito) e pelo Mar Vermelho até chegar a seu destino. Sua caravana levava cem camelos carregados de produtos preciosos. Ao chegar ao Cairo, distribuiu tantos presentes em ouro que o valor do metal na cidade caiu e ficou em baixa por muito tempo.



Além de serem conhecidos como destino de rotas comerciais, os reinos do Sudão Ocidental englobavam, em suas fronteiras, povos de agricultores e mineradores – os trabalhadores que criavam as grandes riquezas controladas por reis e nobres. Na verdade, toda a pompa dos reinos se sustentava sobre os impostos, pagos em produto e em trabalho, dos habitantes das aldeias subordinadas. Entre esses estavam os soldados dos exércitos conquistadores, os carregadores do comercio de longa distância, as escravas comerciadas nas rotas para o norte do continente.

As ligações comerciais da África com o mundo

Como vimos, o Islamismo na África significou a ampliação de conexões com amplas áreas do mundo e o estímulo ao surgimento de uma série de práticas culturais. Foram historiadores, geógrafos e viajantes do mundo islâmico que produziram as primeiras fontes escritas sobre os reinos do Sudão Ocidental. E também estes estudiosos muçulmanos foram maioria entre os que levaram noticias, para além da África, sobre o movimento das rotas de longa distância e a vida nas cidades e aldeias africanas ao sul do Saara.
No litoral oriental, desde o século VII, os muçulmanos tinham agentes e governantes nos portos da África, ligados a outros na Índia, no Sudeste asiático e na China Meridional. Formaram novos grupos sociais a partir do contato das culturas africanas e do mundo árabe.


As correntes marítimas facilitavam a navegação para os hábeis marujos africanos e seus parceiros, que conheciam os movimentos dos ventos e do mar nas diferentes estações do ano A costa oriental africana tinha ricas cidades-porto movimentadas pelo ir e vir de barcos, pessoas e mercadorias. Havia comerciantes árabes, indianos e chineses além de muitos africanos, e era ativa a negociação com grupos do interior do continente, que traziam marfim, peles e ouro do sudeste africano.


Em outros lados do mundo também se falava muito do comércio com a África. Um inspetor de alfândega de um dos portos do sul da China no ano de 1250 escreveu que os navios dos reinos do Noroeste da Índia navegavam todos os anos para comprar e vender na África Oriental e que suas tripulações levavam tecidos de algodão e porcelana para os consumidores africanos. Se os panos já desapareceram, como se pode imaginar, nas praias do Quênia e da Tanzânia ainda se encontravam em pleno século XX, pedaços de taças e potes de porcelana chinesa muito antiga. São fontes históricas concretas de uma longa história que ligava a África ao mundo oriental.

Qual o lugar da África no mundo de hoje? Como esse lugar foi construído na época moderna e contemporânea, e como vem se modificando?

A PROPÓSITO: EM 09/01/2003 FOI APROVADA A LEI QUE TORNOU OBRIGATÓRIO NO BRASIL O ESTUDO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA, EM TODOS OS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS. ESTA LEI ESTÁ EM VIGOR, E, EM 2004 O CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO APROVOU AS DIRETRIZES QUE ORIENTAM A SUA IMPLEMENTAÇÃO.

Valores / Mensagens / Atitudes:
OLHAR SOBRE A ÁFRICA DEVE DESPIR-SE DE PRECONCEITOS E QUESTIONAR IMAGENS NEGATIVAS CONSTRUÍDAS SOBRE OS HABITANTES DESSA PARTE DO MUNDO



ÁFRICA: REINVENTANDO O FUTURO

Qual o lugar da África no mundo de hoje? Como esse lugar foi construído, e como vem se modificando? Qual a relação entre a História da África no século XIX e as questões contemporâneas que afetam esse continente? Como compreender melhor e olhar criticamente as tragédias africanas que vemos na mídia e que tanto nos comovem? Como brasileiros - herdeiros que somos de tantos africanos que participaram da criação do nosso país – e cidadãos do mundo, o que temos a ver a com a África atual? E como estão sendo pensadas as possibilidades de um futuro diferente para esse continente?
Todas essa perguntas estarão sendo pensadas ao acompanharmos essa aula. Devemos mantê-las em nossa reflexão e ir nos aproximando cada vez mais dessa História. 

           Conhecendo a África

                           A África é o segundo continente do mundo em população, com mais de 800  milhões de habitantes. Lá vivem 13 de cada 100 pessoas no mundo e a taxa de crescimento da população é uma das mais altas do nosso planeta: de quase 3% ao ano. É o terceiro continente do mundo em extensão, com cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, que correspondem a 20,3% da área total da Terra. São 54 países (ver Mapa), sendo 48 continentais e seis insulares e ainda há 10 territórios dominados por países estrangeiros - sendo que a maioria destes são ilhas. Cerca de 75% da superfície do continente se situa nos trópicos, somente as suas extremidades norte e sul têm clima temperado. É o mais quente dos continentes, ainda que tenha regiões de altas montanhas, sempre cobertas de neve, como o Monte Kilimanjaro, no Quênia.


Na África se falam aproximadamente duas mil línguas, as quais por sua vez tem suas variantes: os dialetos. Entre estas línguas, mais de cinqüenta são faladas por mais de um milhão de pessoas. O árabe, por exemplo, é falado por cerca de 150 milhões de africanos – e é a língua oficial de sete países da África. O hauçá, idioma utilizado no Norte da Nigéria, tem quase 70 milhões de falantes.
                          

              O que podemos concluir com estas breves informações gerais sobre a África?
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              Fundamentalmente, a sua grande e enriquecedora diversidade. E esta diversidade nas paisagens e nas muitas línguas é acompanhada pela diversidade em opções religiosas, costumes, modos de vida. Isto acontece não apenas entre os países, mas dentro dos mesmos – na Nigéria, por exemplo, se falam cerca de 200 línguas - entre idiomas e suas variações dialetais. Normalmente, num um país com esta característica, seus habitantes falam mais de um idioma no seu dia a dia, no contato uns com os outros. Para nós, brasileiros, pode até parecer muito complicado, mas é surpreendente como esta diversidade no cotidiano se torna algo vivido com naturalidade.




Para entender as questões da África de hoje, as guerras constantes, a instabilidade política de seus governos, os sofrimentos de grande parte da sua população frente ás epidemias e á dura vida em campos de refugiados, temos que olhar um passado não tão distante – e que nos aproxima dessas “áfricas”.
          Durante quase quatro séculos(século XV ao século XIX) o continente africano foi cenário do mais longo processo de migração forçada da História da humanidade. Antes disso, já havia rotas de escravidão levando jovens africanos para outras partes do mundo, mas não na mesma intensidade que o tráfico atlântico veio a ter. Toda essa longa história deixou marcas nas sociedades da África. Imaginem: durante quase quatrocentos anos as aldeias e cidades da África foram tendo seus jovens retirados à força, periodicamente, por meio de guerras e de expedições de captura, em que povos se colocavam uns contra outros, em que o medo e a luta pela sobrevivência levavam à migração, deixando campos de cultivo e territórios de origem? Os efeitos se fizeram sentir, criando e fortalecendo rivalidades, aprofundando desigualdades.
         E do ponto de vista da História de outras partes do mundo? O tráfico atlântico movimentou pessoas, que traziam idéias, valores, tecnologias e culturas consigo. Esses bens imateriais passaram a fazer parte das heranças africanas na América e em especial no Brasil. No entanto, a história da escravidão deixou também uma marca de violência e discriminação difícil de ser apagada. É também por questionarmos esse lugar dado aos africanos na História que para entender a África hoje, a olhamos desde uma perspectiva de longa duração.

         A formação do Mundo Atlântico e o tráfico de escravos



Foram cerca de 11 milhões de africanos trazidos para as Américas como escravos, no mais longo processo de imigração forçada da História da humanidade. Destes, aproximadamente quatro milhões ou mais foram transportados para o Brasil. Ou seja: 40% dos africanos escravizados o foram para vir trabalhar no nosso país: para plantar comida e produtos agrícolas de exportação (como a cana de açúcar, o tabaco, o algodão, o cacau, o café), para extrair ouro e diamantes das minas, para carregar tudo que fosse necessário, para construir casas, igrejas e ferrovias, para abrir e pavimentar ruas. Tudo isso, e ainda ensinar muitas técnicas produtivas e remédios para a população brasileira. Enfim, além da sua força de trabalho, trouxeram a sua civilização, seus conhecimentos e saberes.
O comercio atlântico de escravos conectou não só o Brasil e a África. Como parte do Império Português que se estendia até a cidades costeiras da Índia e Macau (na China), esta ampla rede colocou todo um conjunto de lugares distantes em contato permanente e sistemático. As naus da carreira da Índia chegavam carregadas ao nosso litoral, pois antes passavam pelo litoral da África, trocando os panos do sul da Ásia que traziam (conhecidos como “panos de negros”) por escravos e aqui, no Brasil, estes por açúcar e aguardente. Era uma ampla rede de comércio que envolvia diferentes parceiros em diferentes partes do mundo, durante o tempo que durou o trafico de escravos.
Estas relações, que cruzavam os oceanos, levavam e traziam pessoas e mercadorias. E, junto a estas, novos produtos agrícolas, novos alimentos, novas maneiras de cultivar, E instrumentos de trabalho até então desconhecidos. E mais (muito mais!): outros jeitos de falar e de se expressar, idéias, religiões...
           Mas não devemos esquecer: o tráfico de escravos africanos trazia pessoas. Eram seres humanos retirados de sua terra natal, de suas aldeias, de suas casas e de suas famílias. Por meio de guerras mais do que tudo, mas também eram aprisionados em expedições de captura especialmente montadas para este fim. Os envolvidos nisto que depois se chamou de “o infame comércio” eram africanos e europeus, inicialmente. E, principalmente a partir do século XVIII, brasileiros - ou residentes no Brasil.
          Como puderam, perguntam alguns, os africanos traficar seus próprios irmãos? Para começar, eles não se sentiam como irmãos naquela época. A África é um continente, lembremos. E um continente dividido em países e povos. Naquela época tampouco havia os países, mas havia os povos, organizados em unidades ainda menores. Eram mais do que tudo pequenos grupos, conjuntos de aldeias, algumas cidades e, somente em alguns poucos lugares, havia  reinos.
Na aula 13 falamos que a identidade das pessoas nas sociedades africanas se vinculava às suas comunidades e que na África subsaariana havia muito mais comunidades espalhadas em aldeias e pequenas cidades do que grandes reinos unificados – ainda que houvesse o Benin (na Nigéria atual), o reino do Congo (em Angola e Congo atuais).
As comunidades formavam os povos de cada região. Não havia nada que os irmanasse acima de suas fronteiras étnicas. Um diula não se via como um irmão de um mandinga, no Senegal. Um habitante de Oió (no que veio a ser chamado país iorubá, na Nigéria) não se identificava com um hauçá (que habitava o que veio a ser depois o mesmo país. Na época do tráfico seus vizinhos apenas identificados como os “grupos do norte”, muitas vezes disputando terras e recursos por meio de guerras. Uma pessoa bakongo e uma mbundo, na atual Angola, tinham histórias distintas apesar de poderem estar próximos no espaço. A guerra havia pautado diversas vezes suas relações - não sempre, mas em muitas ocasiões.
A idéia de africano como unidade somente surgiu no século XIX, muito vinculada ao contexto da luta contra o tráfico e a escravidão. É ao mesmo tempo uma resposta ao europeu e um novo significado dado ao tratamento que este mesmo europeu vinha fazendo quando se referia aos nativos da África.
O tráfico enfraqueceu comunidades africanas inteiras, mas enriqueceu mercadores e reis na África. Enriqueceu também alguns pequenos comerciantes, bem como agricultores que vendiam alimentos para as cidades portuárias e víveres para os navegantes. Empobreceu muitos povoados e deixou famílias sem filhos e pais. Encheu os cofres de grandes senhores - alguns destes mestiços de africanas com europeus - e fez cair na miséria os grupos mais fracos militarmente. O tráfico criou e fortaleceu redes de proteção e de clientelismo que submetiam pessoas e povos a algum chefe que lhes garantia a não escravização.
A escravidão já existia na África, mas o tráfico atlântico de escravos a fez crescer e assumir novos formatos e, sobretudo, uma outra dimensão – muito mais ampla em termos de mundo e profunda em termos de penetração no continente.  O tráfico aprofundou divisões entre grupos locais e rivalidades se intensificaram. Estas já existiam, sim, mas assumiram faces mais radicais.
A história de quase três séculos e meio de comércio escravista para as Américas mudou o mundo ocidental. E fez a África perder vidas humanas em seu momento mais produtivo – em termos de reprodução demográfica e de criação de alternativas para seu desenvolvimento. Muito do que vimos acontecer em amplas áreas do continente, depois da longa história do tráfico, não deixa de estar relacionado a este longo processo de espoliação. 

      Colonialismo, resistências e luta pela descolonização

Até o século XIX o interesse de grupos privados prevalecia sobre as ações dos Estados europeus. O tráfico fora um negócio de comerciantes e não de governos da Europa ou da América escravista. Os locais de efetiva presença européia se restringiam quase todos à costa. As exceções estavam na África do Sul e no norte do continente. Na Cidade do Cabo e arredores havia uma presença dos imigrantes da região dos Países Baixos desde o século XVII. E a Argélia foi ocupada pelos franceses em 1830 e até o final do século XIX estes lutaram até conseguir dominar a região.
Durante toda a história do tráfico de escravos e das relações comerciais que corriam paralelamente a este, os negócios com os europeus eram feitos entre os chefes locais e os representantes comerciais. Os governos europeus raramente entravam. Mas, isto começou a mudar, em especial na segunda metade do século XIX. Inicialmente, os países europeus enviaram exploradores e estudiosos patrocinados por seus governos. E apoiaram alguns missionários religiosos que também foram para a África. A justificativa era conhecer e civilizar a África, e em alguns casos, combater o tráfico de escravos – que nesta época passou a ser visto com maus olhos. E, junto com estas iniciativas, caminhavam os interesses econômicos e políticos.
As expedições de reconhecimento e mapeamento do continente trouxeram informações preciosas para as empresas e governos dos países europeus interessados em obter matérias-primas e expandir mercados. Em seguida travou-se toda uma complexa corrida político-diplomática para se obter relações privilegiadas com os africanos. Um exemplo: a França fez, entre 1819 e 1890, 344 tratados com chefes africanos. E para estes, não era muitas vezes explicado o real significado da relação de “protetorado” reivindicada pelos “parceiros” europeus. Mas, por outro lado, muitos chefes que se apresentaram eram inventados e assinaram tratados com os europeus sobre regiões e povos que nunca existiram.
Mas, pouco a pouco esta presença européia se fortaleceu e foi impondo-se em diversas partes da África. Para isto, além dos tratados, as pressões sobre os chefes africanos e a utilização de efetivos militares para convencer os mais resistentes tornaram-se métodos de conquista.
A Conferência de Berlim(1884/1885) foi um momento em que as potências européias tentaram organizar a corrida sobre a África. Mas, antes mesmo da realização deste encontro, Inglaterra e França (principalmente) já estavam em diversas áreas do continente como forças de dominação. E Portugal procurava garantir sua presença onde já se encontrava. No entanto este domínio não era nem total, nem completo.
Havia que se obter um apoio local, obtido por diferentes meios e estratégias. A antiga prática de exploração das rivalidades era muito utilizada. As alianças comerciais feitas sob condições de submissão política também. O apoio a chefes e grupos marginalizados do poder até então foi outro eficiente modo de provocar guerras e entrar e seguida como governo pacificador. Todos estes caminhos abriram a África para a colonização européia no século XX.

E na África, não houve resistências a este avanço do domínio europeu?
Houve, sim. Ocorreram movimentos que pretenderam inclusive unir grupos de diferentes povos para lutar contra os invasores. Foram os casos de Omar Tall (Senegal), Samori Turé (Mali) e Mohamed Ahmed (conhecido como Mádi no Sudão). E na Etiópia, o rei Menelik II, um cristão ortodoxo, combateu os italianos com um exército de 70 mil soldados e conseguiu o reconhecimento da soberania de seu país. Mas, o caso da Etiópia ainda foi uma exceção e certamente teve direta relação com o fato de se tratar de um império de longa duração.
O fim do tráfico e o avanço europeu sobre a África caminharam juntos. E não sem razão. Para os europeus, o interesse era explorar a mão-de-obra africana na sua própria terra. Esta, sem dúvida, foi um das razões mais fortes do combate ao tráfico transatlântico de escravos e não um interesse de alcance distante em formar um “mercado consumidor” nas Américas escravistas. As conseqüências desagregadoras do tráfico e do fim do mesmo também facilitaram a entrada européia e seu estabelecimento no continente. Houve resistências ao colonialismo europeu comandadas por traficantes de escravos e seus aliados, e combatidas com força pelos conquistadores com ajuda de alguns locais – afinal, as marcas da história do tráfico estavam muito visíveis.


As ações de resistência e de combate aos europeus continuaram por todo o período colonial. Muitas e constantes, elas dificultaram, abalaram e finalmente derrotaram os dominadores. E ocorreram sob as mais diversas modalidades. Samuel Kimbango no Congo Belga, fez do discurso religioso sua base e sua arma de luta. Em Angola, o culto a uma deusa de nome Maria que iria libertar os negros deu base a uma revolta em 1960 na província de Cassanje. Na área iorubá, no sudoeste da Nigéria, na década de 1920, o boicote de mulheres comerciantes aos impostos cobrados fez parar os mercados nas cidades da região. O movimento conhecido como os Mau Mau no Quênia fez uma revolta armada em forma de guerrilhas na década de 1950, assim, entre outros lugares, no Congo Belga, na Argélia e nos Camarões. Em muitos países colonizados na África surgiram organizações políticas abertas e clandestinas em oposição ao domínio europeu, se expressando por meio de jornais, clubes, associações culturais. Nos diferentes lugares, de forma individual e coletiva, muitos africanos foram tentando se articular para dar uma resposta ao colonialismo.

E, de fora da África, se articularam na Europa, assim com afro-descendentes nas América, criando uma série de manifestações no sentido de valorizar as culturas africanas e dos povos negros no mundo. Estudantes e intelectuais africanos fizeram das letras uma trincheira de luta para ganhar adeptos e combater o colonialismo. A luta contra o racismo se fortaleceu junto à luta pela descolonização africana, articulando duas frentes de combate pela soberania e dignidade dos africanos e seus descendentes na Diáspora.
As independências dos países africanos ocorrem a partir destas diversas formas de luta, que encontraram também nos colonizadores europeus diferentes formas de reagir às mesmas. Nem os colonialismos europeus tiveram as mesmas estratégias nem os seus opositores. Os resultados destas histórias se traduziram em décadas de enfrentamento que deixaram muitas heranças em nada favoráveis à África - cenário da quase totalidade destes conflitos. A conquista da autonomia política tampouco significou a paz nestes países africanos, nascidos em grande parte da luta anticolonial e não de uma construção de fronteiras que fosse fruto da história local. 
Durante a ocupação, os colonizadores não se preocuparam em formar lideranças locais, nem em prepara-las para o exercício de funções publicas. Assim, em vários paises, na hora de passar o poder, não havia quem assumisse determinadas funções. Alem das disputas internas, as potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, liderado pela União Soviética, inseriu a África na lógica da guerra fria. Grupos rivais foram armados por um lado e outro gerando extrema violência, guerras civis intermináveis, insegurança e instabilidade política.
Há partes do continente que até hoje permanecem sem a possibilidade de investimentos, industrias, serviços. Podemos citar pelo menos três razões pelas quais a África não é o paraíso das multinacionais: a mão de obra não é qualificada; não há estabilidade política na maior parte do continente; falta infra-estrutura. E uma outra grande razão: os interesses estrangeiros em explorar os recursos do subsolo africano, um dos mais ricos do mundo, sem deixar um retorno para as sociedades locais. A riqueza da África se tornou uma das causas de sua pobreza, pelos interesses externos e internos de exploração de metais, diamantes e de petróleo.
Na África se mantém até hoje, em muitos paises, a divisão territorial imposta pelos colonizadores europeus, que uniram sob a mesma bandeira povos e etnias muito diferentes, o que dificulta a construção de nacionalidades – ao menos no modelo de Estado-nação que conhecemos. Muitas vezes os governos não são representativos havendo constantes reviravoltas políticas e guerras entre esses povos. E assim fica difícil fazer investimentos caros que somente governos estáveis conseguem, como rede de energia, telecomunicações, transportes e educação, sem os quais fica impossível o estabelecimento de indústrias.
Ainda assim, as independências, sobretudo a partir dos anos sessenta do século XX, representaram um marco na História mundial. Recuperados à sua condição de protagonistas na sua própria terra, líderes africanos também se destacaram no cenário internacional. Intelectuais e acadêmicos africanos encaminharam a re-escritura da História de seus países e regiões. Não estavam sozinhos, mas tampouco em condição de parceiros menores. E se encontraram á frente de uma enorme tarefa: pesquisar, conhecer, discutir, criar parâmetros para a História da África. E, a partir daí, dar a conhecer ao mundo uma longa e fundamental parte da História da humanidade, sob novos pontos de vista e enriquecida com relatos e fontes locais – revistas e analisadas sob novos métodos.

Um herói na História da África contemporânea: Nelson Mandela.

Ao pensarmos nessa nova História da África, resgatamos um nome que tornou-se um símbolo da luta pelos direitos dos africanos a serem senhores de seus países e pela paz.


 NELSON MANDELA 
“Amado por seu povo, um dos grandes lideres pacifistas do mundo, exemplo de generosidade e símbolo da força vital da África.





"A luta é minha vida".
Nelson Mandela

              Mandela nascido em 1918, desde jovem, dedicou sua vida à luta contra a discriminação racial e as injustiças contra a população negra. Em 1944, fundou a  Liga Jovem do CNA- Congresso Nacional Africano, e traçou uma estratégia que foi adotada anos mais tarde pelo CNA na luta contra o apartheid. A partir daí ele tornou-se o líder do movimento de resistência a opressão da minoria branca sobre a maioria negra na África do Sul.
              Como ativista político, Mandela é símbolo de resistência, pelo vigor com que enfrentou os governos racistas em, sem perder a força e a crença nos seus ideais, inclusive nos 28 anos em que esteve preso, de 1962 a 1990, acusado de sabotagem e luta armada contra o governo. Jamais aceitou as propostas de redução da pena e de liberdade que recebeu de presidentes sul-africanos, pois o governo queria um acordo sem acabar com o apartheid.
Da prisão, Mandela continuou sua luta, escrevendo, comunicando-se com lideres mundiais, e no momento oportuno negociou com o presidente Fredrik De Klerk as condições para o fim do apartheid e a redemocratização da África do Sul. Graças a Mandela e a de Klerk, o país busca reconciliar-se, dentro da legalidade. Todas as leis do apartheid  foram revogadas e os negros passaram a ter os mesmos direitos civis e políticos dos brancos. O CNA voltou a legalidade como partido político e a eleição de Nelson Mandela como primeiro presidente negro fez da África do Sul um exemplo de como os povos podem chegar a um entendimento pacifico. Por isso mesmo Mandela e de Klerk receberam o premio Nobel da Paz, em 1993.

Os ciclos de sangue
As marcas das dores africanas não se apagaram. E as guerras ainda estão lá. A literatura africana, outro campo pouco visitado por nós, brasileiros, mas que já estamos recuperando, mostra bem isso.

Vejamos o texto de Mia Couto, premiado escritor moçambicano, num romance chamado A Varanda de Frangipani
“O culpado que você procura, caro Izidine, não é uma pessoa. É a guerra. Todas as culpas são da guerra. Foi ela que matou Vasto. Foi ela que rasgou o mundo onde a gente idosa tinha brilho e cabimento. Estes velhos que aqui apodrecem, antes do conflito eram amados. Havia um mundo que os recebia, as famílias se arrumavam para os idosos. Depois a violência trouxe outras razões. E os velhos forma expulsos do mundo, expulsos de nós mesmos.
Você há-de perguntar que me motivo me prende aqui, nesta solidão. Sempre pensei que sabia responder. Agora tenho dúvida. A violência é a razão deste meu retiro. A guerra cria outro ciclo de tempo. Já não os naos, as estações que marcam as nossas vidas. Já não são as colheitas, as fomes, as inundações. A guerra instala o ciclo de sangue”


A África no mundo hoje

A África ainda figura nas páginas dos jornais, nas telas de TV, no cinema e na literatura como um lugar de doenças, de fome e de guerra. Mas, a África é muito mais que isso. A África é continente que produziu obras artísticas que vem encantando e inspirando o mundo há séculos. Das terras africanas saiu a base dos ritmos que influenciaram os tipos de música mais populares no ocidente: do rock ao maracatu, do jazz ao samba de roda, do cacuriá ao blues, todos são herdeiros da África. A África é a terra de origem de todas essas belezas que enchem de sons e sonhos nossas vidas.
Além das artes plásticas e da música, muitos tipos de danças saíram dos corpos africanos. Em algumas línguas do tronco lingüístico banto, a palavra que designa dança é a mesma utilizada para música. O movimento do corpo acompanhando o som faz parte da musicalidade. E essa corporeidade rítmica não só nos foi legada de herança como vive, em permanente mudança e criação no continente africano. Não sem razão, tantos artistas dos nossos dias buscam sua inspiração na África. Em outras palavras: ficarmos atentos à arte,  musica e dança da África hoje significa ouvir não só o nosso passado, mas o presente e o futuro da música contemporânea.
Na África hoje floresce uma literatura de expressão mundial. Escritores africanos como Wole Soyinka (da Nigéria) e Nadine Gordimer (da África do Sul) receberam Prêmio Nobel de Literatura . Na África de língua oficial portuguesa autores como Pepetela, Jofre Rocha, Luandino Vieira, Agualusa, Ondjaki , Ruy Duarte, Ana Paula Tavares(angolanos), Mia Couto, Paulina Chiziane, João Paulo Borges Coelho(moçambicanos) são alguns entre os muitos nomes de uma literatura riquíssima em todos os sentidos . Hoje, essa literatura amplia a diversidade da produção em Língua Portuguesa, além de ser um espaço em que se projetam saídas para situações que parecem só conduzir à desesperança. As literaturas africanas trazem nos seus temas a semente da discussão de um futuro melhor e na sua forma outros lados do nosso idioma – as nossas muitas línguas.
Portanto, a África é a também a terra das muitas cores e sons que iluminam a nossa humanidade, e está buscando discutir campos de possibilidades para um futuro melhor. Afinal, o berço da humanidade pode ser de onde saiam idéias para uma nova humanidade.



AS TERRAS SENTIDAS
As terras sentidas de África
nos ais chorosos do antigo e do novo escravo
no suor aviltante do batuque impuro
de outros mares
sentidas
As terras sentidas de África
na sensação infame do perfume estonteante da flor
esmagada na floresta
pela imoralidade do ferro e do fogo
as terras sentidas
As terras sentidas de África
no sonho logo desfeito em tinidos de chaves carcereiras
e no riso sufocado e na voz vitoriosa dos lamentos
e no brilho inconsciente das sensações escondidas
das terras sentidas de África
Vivas
em si conosco vivas Elas fervilham-nos em sonhos
ornados de danças de imbondeiros sobre equilíbrios
de antílope
na aliança perpétua de tudo quanto vive
Elas gritam o som da vida
gritam-no
mesmo nos cadáveres devolvidos pelo Atlântico
em oferta pútrida de incoerência e morte
e na limpidez dos rios
Elas vivem
as terras sentidas de África
no som harmonioso das consciências
incluídas no sangue honesto dos homens
no forte desejo dos homens
na sinceridade dos homens
na razão pura e simples da existência das estrelas
Elas vivem
as terras sentidas de África
porque nós vivemos
e somos as partículas imperecíveis
e inatacáveis
das terras sentidas de África.
Agostinho Neto , poeta, militante e primeiro presidente de Angola independente.
Do livro: "Poemas", Cadernos Capricórnio, 1975, Angola-África.

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