quarta-feira, 21 de setembro de 2016

LUAU NO RIO ARAPIUNS

      
A tardinha deixamos a aldeia de Urucureá. Na água imagens douradas das coisas dos homens e da floresta: tamanduá, reflexo de um cão que se alongava, doble barco,  árvores que se retorciam como enfeites natalinos, o jardim aquático do Igarapé, como uma pintura de Monet.
A itaúba deslizou mansa.
Sobre o teto da embarcação degustei o ar crepuscular em largos sorvos contemplativos:
a densa floresta nas margens e o espelho negro das águas do braço do rio Arapiuns.
Um clarão sob as nuvens na margem esquerda anunciava o nascer da lua cheia, logo após avistada a primeira estrela.
No grande rio descortinamos o cenário planetário.
Lua, luz negra prateando a escuridão, o sons da mata, o som da água.
O comandante Rios espetou a proa do Esperança II numa pequena praia em forma de ferradura. Céleres catamos lenha. Em pouco tínhamos uma fogueira. Ao lume estendemos cangas e iniciamos a cantoria.
A lua, a estrela da noite, bem bancava a prima-dona, escondendo-se no cortinado esperando aplausos para tornar a aparecer. Então incendiava os ares dançando com seus véus.
À  argêntea luz subiram nossos uivos.
Noite alta o banho de lua. A tepidez da água, o ar suave da noite. Mãos quebrando o espelho lunar. Eu lunático. A voz, os sons da floresta, tambores, o córdio bater amplificado. A respiração dos botos como muitas pessoas nadando em silêncio.
Sensação de ser, pertencer...



Nestor - Rio Arapiuns, Pará - Julho de 2003

itaúba - madeira da qual são feitos os barcos na amazônia
argêntea -  a cor da prata
córdio - músculo cardíaco, coração

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