A cidade de Pelotas é conhecida como a Princesa
do Sul. Cidade rica desde os tempos antigos devido as charqueadas e ao seu
excelente porto, teve seus ares aristocráticos cultivados desde os tempos da
colônia.
O
Segundo Império foi a época do apogeu da nobreza local, que inclusive,
construiu inúmeros palacetes com salões onde se faziam reuniões e bailes. O
mais famoso, por certo, é o solar da Baronesa de Pelotas, que até virou museu. Mas não era qualquer família por mais endinheirada
que fosse que podia receber nos seus salões. A fina flor pelotense era como
azeite na água, não se misturava. Para dar um baile era preciso ter nome,
prestígio, respeitabilidade. Se não, ninguém comparecia.
Depois da Proclamação da República a nobreza entrou em desuso. Muitos
meteram a viola no saco ou foram tocar em outra freguesia, que o Rio Grande não
dava mais espaço pra quem não fosse republicano, maragato ou chimango.
Pois a dona
Herondina que era a lavadeira da minha avó, lá em Camaquã, gostava de contar a
história de uma dama do Império, para a qual a mãe dela tinha trabalhado quando
vivia em Pelotas. Diz
que essa senhora era até sobrinha de uma afilhada da Princesa Isabel e que não
tendo mais parentes nem marido vivia solita em um palacete caindo aos pedaços.
Não por pobreza, mas por tristeza, por desânimo, por falta de motivação. A
pessoa vai ficando assim, mais enrustida do que bicho de caramujo.
Pois quando terminou a Grande Guerra, em 1918, a burguesia pelotense
quis comemorar. Afinal tinham enchido as burras de dinheiro, exportando carne,
arroz e compota de pêssego para os povos beligerantes. Começaram a organizar
bailes onde conforme a tradição pelotense, conservada até hoje, a mulherada
comparecia afogada em peles e entulhada de ouro e pedras. A encanecida dama ao
receber os convites se indignava - que essa gente não tinha nome, que eram
comerciantes, atravessadores de arroz e fabricantes de pessegada, gente sem
cultura, que não conhecia a tradição, os bons modos, as boas maneiras. Iam lá
saber receber?
E tanto se afrontou que resolveu ela mesma dar um baile, com toda a
pompa e circunstância, como aqueles de antigamente. Elaborou tantas regras para
a seleção de convidados que considerava os pecados até das bisavós. Depois viu
que não ia encher a casa e abrandou um pouco, que os tempos estavam mesmo muito
mudados, tinha que ser mais complacente. E o que ela queria mesmo era dar o
exemplo, afinal ela tinha fugido à responsabilidade por muitos anos. Não podia
deixar morrer a tradição, a arte e a elegância de receber nos salões
familiares.
E
assim fez os preparativos: o solar foi todo pintado, os muros reconstituídos,
os jardins replantados; por dentro trocou as cortinas os veludos e brocados,
lavaram-se as tapeçarias, lustraram-se os metais, os lustres e pratarias;
mandou vir uma orquestra de Porto Alegre; contratou as melhores cozinheiras e
doceiras, garçons, copeiras, uma tropa de lacaios, e é claro, encomendou 30
caixas do melhor champanhe.
Durante dois meses um batalhão de gente
trabalhou no casarão, sob a supervisão enérgica da senhora, que por mais que
tivesse 80 anos era forte como um tronco de angico. E quando chegou a data do
baile estava tudo impecável, os jardins iluminados e o salão brilhando desde o
piso até o teto.
Com tudo arranjado e o pessoal a postos a dama subiu aos seus aposentos
onde a mãe da dona Herondina, que era a camareira, ajudou-a a se preparar.
Às
nove em ponto ela apareceu elegante num vestido azul com um diamante no peito
faiscante como seus olhos. A orquestra atacou a “Marcha da Anfitriã” enquanto
ela descia imponente pela escadaria em arco. A mão anelada no corrimão dourado e a outra
segurando a ponta do vestido e um leque espanhol semi aberto.
Postou-se diante do portal a olhar para
fora esperando os convidados, mas ninguém apareceu. A orquestra, para se manter
animada de vez em quando tocava uma valsa, uma marchinha que ecoava no salão
vazio.
À meia noite chamou os músicos da orquestra e todo o pessoal de serviço
e disse com altivez:
- Senhores, queiram por gentileza passar para o
salão de jantar.
A ceia vai ser servida. Esperou que todos se acomodassem, deu boa noite
e subiu para o seu quarto.
Na manhã seguinte foi
encontrada morta.
Só
uma semana depois é que a mãe da dona Herondina descobriu o que é que havia
acontecido: encontrou uma caixa com os convites. A velhinha tinha se esquecido
de enviar.
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