segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A VELHA DAMA DE PELOTAS



                    A cidade de Pelotas é conhecida como a Princesa do Sul. Cidade rica desde os tempos antigos devido as charqueadas e ao seu excelente porto, teve seus ares aristocráticos cultivados desde os tempos da colônia.                                    
                    O Segundo Império foi a época do apogeu da nobreza local, que inclusive, construiu inúmeros palacetes com salões onde se faziam reuniões e bailes. O mais famoso, por certo, é o solar da Baronesa de Pelotas, que até virou museu. Mas não era qualquer família por mais endinheirada que fosse que podia receber nos seus salões. A fina flor pelotense era como azeite na água, não se misturava. Para dar um baile era preciso ter nome, prestígio, respeitabilidade. Se não, ninguém comparecia.
Depois da Proclamação da República a nobreza entrou em desuso. Muitos meteram a viola no saco ou foram tocar em outra freguesia, que o Rio Grande não dava mais espaço pra quem não fosse republicano, maragato ou chimango.
                    Pois a dona Herondina que era a lavadeira da minha avó, lá em Camaquã, gostava de contar a história de uma dama do Império, para a qual a mãe dela tinha trabalhado quando vivia em Pelotas. Diz que essa senhora era até sobrinha de uma afilhada da Princesa Isabel e que não tendo mais parentes nem marido vivia solita em um palacete caindo aos pedaços. Não por pobreza, mas por tristeza, por desânimo, por falta de motivação. A pessoa vai ficando assim, mais enrustida do que bicho de caramujo. 
          Pois quando terminou a Grande Guerra, em 1918, a burguesia pelotense quis comemorar. Afinal tinham enchido as burras de dinheiro, exportando carne, arroz e compota de pêssego para os povos beligerantes. Começaram a organizar bailes onde conforme a tradição pelotense, conservada até hoje, a mulherada comparecia afogada em peles e entulhada de ouro e pedras. A encanecida dama ao receber os convites se indignava - que essa gente não tinha nome, que eram comerciantes, atravessadores de arroz e fabricantes de pessegada, gente sem cultura, que não conhecia a tradição, os bons modos, as boas maneiras. Iam lá saber receber?
          E tanto se afrontou que resolveu ela mesma dar um baile, com toda a pompa e circunstância, como aqueles de antigamente. Elaborou tantas regras para a seleção de convidados que considerava os pecados até das bisavós. Depois viu que não ia encher a casa e abrandou um pouco, que os tempos estavam mesmo muito mudados, tinha que ser mais complacente. E o que ela queria mesmo era dar o exemplo, afinal ela tinha fugido à responsabilidade por muitos anos. Não podia deixar morrer a tradição, a arte e a elegância de receber nos salões familiares.
      
 E assim fez os preparativos: o solar foi todo pintado, os muros reconstituídos, os jardins replantados; por dentro trocou as cortinas os veludos e brocados, lavaram-se as tapeçarias, lustraram-se os metais, os lustres e pratarias; mandou vir uma orquestra de Porto Alegre; contratou as melhores cozinheiras e doceiras, garçons, copeiras, uma tropa de lacaios, e é claro, encomendou 30 caixas do melhor champanhe.
Durante dois meses um batalhão de gente trabalhou no casarão, sob a supervisão enérgica da senhora, que por mais que tivesse 80 anos era forte como um tronco de angico. E quando chegou a data do baile estava tudo impecável, os jardins iluminados e o salão brilhando desde o piso até o teto.
         Com tudo arranjado e o pessoal a postos a dama subiu aos seus aposentos onde a mãe da dona Herondina, que era a camareira, ajudou-a a se preparar.
                    Às nove em ponto ela apareceu elegante num vestido azul com um diamante no peito faiscante como seus olhos. A orquestra atacou a “Marcha da Anfitriã” enquanto ela descia imponente pela escadaria em arco. A mão anelada no corrimão dourado e a outra segurando a ponta do vestido e um leque espanhol semi aberto.
          Postou-se diante do portal a olhar para fora esperando os convidados, mas ninguém apareceu. A orquestra, para se manter animada de vez em quando tocava uma valsa, uma marchinha que ecoava no salão vazio.       
        À meia noite chamou os músicos da orquestra e todo o pessoal de serviço e disse com altivez:
-       Senhores, queiram por gentileza passar para o salão de jantar.
A ceia vai ser servida. Esperou que todos se acomodassem, deu boa noite e subiu para o seu quarto.
Na manhã seguinte foi encontrada morta.
                    Só uma semana depois é que a mãe da dona Herondina descobriu o que é que havia acontecido: encontrou uma caixa com os convites. A velhinha tinha se esquecido de enviar.

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