O
pouco que aprendi sobre as mulheres, na adolescência, foi meu avô quem me
ensinou. Depois fiz uns aprofundamentos com a revista Nova. Eu digo pouco,
porque por mais que se estude, ou se viva com uma ou com várias, a gente, bicho
homem, jamais consegue compreender os seus mistérios. Elas sempre nos
surpreendem. Pois o meu querido avô, que foi homem de muitas mulheres, e com
todas delicado e atento, me disse certa vez:
-
não te preocupa com isso. As mulheres são loucas para ser amadas, não
compreendidas!
Pero
que si, pero que no, descobri depois, já adulto, que o tio Zaia foi um experto
nessa matéria. E o soube pela própria parte interessada: a esposa. Tia Carminha
concordou em me conceder uma entrevista, íntima e pessoal, para minha monografia
de graduação em Ciências do Amor. Não, esse curso não tem na UFRGS, nem na PUC,
mas deveria de ter, pois se estuda pra tudo neste mundo, menos pra ser feliz. E
quem é que pode ser feliz sem amor?
Passei
muitas tardes de inverno gravando a história de um grande amor do passado. Além
do que ela me contou na ocasião, há os cadernos e cartas que recebi mais tarde,
de herança, em um baú de pinho de riga com lindas incrustações florais, onde se
lêem máximas de sabedoria de vida como esta:
“Mulheres são seres maravilhosos, quando tratadas com gentileza.
Pequenas atenções e delicadezas fazem com que elas funcionem magnificamente
bem.”
Noves
fora, o tom machista anos 1930,
a escrita, a nanquim, é impecável. As iniciais
desenhadas com arabescos ainda brilham e sente-se o relevo nas folhas já amareladas.
Eu como pesquisador e historiador da família, tive o privilégio de ver, de
tocar, de ler e ouvir os poemas, as cartas e pensamentos.
Grande cousa é o amor.
Grande e absoluto bem para a vida e para a morte!
Torna leve o que é pesado;
Esclarece o que parece sombrio
E apaga a tristeza de nossos corações.
Aligeira os sofrimentos que nos torturam
E faz desaparecerem as mágoas
Que nos entenebrecem a existência.
O amor quer ser livre e alheio
A todos os interesses materiais.
Para dominar a vida
Procura colocar-se acima da própria vida.
Nada mais doce,
Nada mais forte,
Nada mais sublime do que o amor.
O amor é o acabamento
Com que Deus achou acertado
Dar por finda a perfeição de sua obra!
- Ele não só
escrevia essas coisas lindas, mas as praticava comigo, dizia tia Carminha. Fez
de mim uma mulher completa, segura e indescritivelmente, bem amada.
E
ela falava isso inclinando um pouquinho a cabeça, e lançando o olhar no passado
distante. A felicidade vivida não saiu jamais do seu olhar.
Tomando o
microfone da minha mão, ela mesma fazia as perguntas e as respondia:
- Ás vezes eu
perguntava pra ele: meu bem, como é que você sabe tudo do meu corpo? E ele me
dizia com o olhar malicioso: está tudo escrito. É uma linguagem assim como o
braille, só que mais aperfeiçoada. Leio os teus olhos, o jeito da tua boca, a
respiração, os sussurros, o retesar dos músculos, sinto a tua pele, os
arrepios, a temperatura, a umidade, o cheiro... Tudo isso me mostra a fêmea
excepcional, e os seus secretos desejos.
“Como encadernação vistosa, feita para iletrados a mulher se enfeita,
mas ela é um livro místico e somente a alguns, a quem tal graça se concede, é
dado lê-la.”
Licença
para tocar Elegia, do meu LP Cinema Transcendental do Caetano Veloso, de 1979 -
quando Caetano veio com o milho, o Zaia já estava voltando com o fubá.
Aí, como se
notasse o meu queixo caído, Dona Carmem me falava meneando a cabeça entre caras
e bocas, e ainda me dava um tapinha no braço, pra selar:
-Na cama ele
me tratava por fêmea, e me enlouquecia!
Nunca
percebi rubor nas faces da tia Carminha, nem mesmo nas revelações mais quentes.
Eu é que ficava embasbacado, descobrindo a força de um amor, a presença de um
amante que permanecia desafiando o tempo. Eu, como acredito que o mundo é feito
de histórias, além de poeira de estrelas, nunca dei contra.
E
mesmo assim, sabe como são essas coisas de família, em matéria de gozação
ninguém dá refresco - contam que quando o tio Zaia foi desenganado pelos
médicos, tia Carminha falou delicada ao marido:
-
Querido, quando um de nós morrer vou vender esta casa e me mudar para um
apartamento.
Pinho de Riga – madeira nobre
européia
Nanquim – tinta negra para
desenho a bico de pena
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