Essas
tiradas são as delícias das nossas reuniões de família, em roda de chimarrão,
churrasco ou carreteirada. E como todo mundo é louco por histórias, estão
sempre prontos para ouvir, para contar, recontar e contar de novo.
Agora,
pra terminar, vou contar para as crianças essa história de cachorrinho. Quem
não gostar de cachorro que tampe os ouvidos. Diz que quem não gosta de samba,
bom sujeito não é. Eu desconfio, também, de quem não gosta de cachorrinho. Na
nossa família todo mundo é louco por cachorro, gato, papagaio, coelho,
tartaruga, tudo que é bicho. Bom, tem umas meninas que não gostam muito de
sapo, nem de aranha, mas ninguém maltrata. Isso de maltratar os animais é uma
coisa horrível. Os bichos são bons companheiros e às vezes podem até nos ajudar
a resolver problemas. Escute essa história e veja se concorda comigo.
A
tia Carminha foi muito mimada pelo marido que sempre lhe trazia presentes, e
era muito atencioso com ela. Uma vez ela ganhou de aniversário um filhotinho de
fox terrier. Sabe aqueles cuscos pequenininhos, malhados de preto e branco, de
focinho comprido e latido estridente. Têm o olfato apuradíssimo e a audição
idem. O cãozinho recebeu o nome de Jerry. Foi criado a mamadeira, e o tio Zaia
foi ensinando uma porção de truques pra ele. Não esses de sit, ou de se fazer de morto. O Jerry buscava o jornal, trazia os
chinelos, fechava e abria portas, apagava a luz. Dizem até que descascava
batatas! Ahan! Tá bom, nem tanto, mas que o cachorrinho era esperto, isso era
mesmo.
Pois
bem, aconteceu que um dia a tia Carminha pediu pro tio Zaia passar no
sapateiro, na volta do trabalho, para apanhar uns calçados que tinham ido para
concerto. Como é comum acontecer com qualquer marido, ele esqueceu. Ou melhor,
lembrou quando chegou no portão de casa. Queria voltar para pegar os sapatos,
só que ele não sabia onde estava a nota de serviço. E agora? Já pensou, chegar
em casa sem os sapatos, e sem nem saber da nota? Por mais compreensiva que seja
a esposa, ela é mulher, e mulher se decepciona com essas coisinhas. E aí se
queixa.
Bueno, hay quem diga que a evolução verbal
feminina, tão superior a do macho da espécie humana, se deve justamente a
necessidade de se queixar. E não tem o que ofusque mais rápido o brilho de uma
mulher do que o seu queixume. Por isso, era melhor nunca dar motivo.
O
tio Zaia de pé ali no portão, muito sábio a meditar nessas coisas, vendo se
achava um jeito de se safar da enrascada, e o cachorrinho a se esfregar, e a
pular nas pernas dele, abanando o cotoco do rabinho, sem conseguir nem uma
passadinha de mão. Aí, o Jerry - vejam só o que é a inteligência do animal,
subiu no muro por uma escadinha que ele costumava usar e chegou bem na altura
da orelha do tio Zaia.
Só quem já sentiu um focinho de cachorro na
orelha pode imaginar o arrepio que dá.
Não sei se foi a lambida ou o quê, mas até que lhe ocorreu uma idéia: agarrou o
bichinho e foram até a sapataria.
Explicou
o problema ao sapateiro, botou o cachorrinho em cima do balcão e falou:
-
pega pega, Jerri!
O cusquinho que adorava a brincadeira saiu
cheirando tudo quanto é sapato. O tio segurando-o até nas prateleiras mais
altas até que se retesou todo e abocanhou certinho um pé de sapato da tia
Carminha.
O
sapateiro aceitou como prova.
Tiradas –
expressões engraçadas
Carreteirada –
comida típica, arroz de carreteiro
Cusco –
cachorro de gaúcho
Viaduto da Rua Duque de Caxias sobre a Av. Borges de Medeiros, Porto Alegre |
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