terça-feira, 8 de janeiro de 2013

DE ONÇA COM PESCARIA


Antigamente se contavam muitos causos de onça. Eu ouvi histórias de combates em que o índio só com um pelego enrolado no braço esquerdo e uma adaga comprida se metia a enfrentar essas feras do sertão. Depois foram acabando com tudo, desmatando, matando a tiro. As onças sumiram do Rio Grande. As pessoas pensam até que esse animal é lá da Amazônia ou do Pantanal. Quando vão ao zoológico e vêem na plaquinha que a área de ocorrência se estendia desde o sul do continente, ficam espantadas. Taí Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, cujo nome da cidade é o aumentativo de jaguar que é onça mesmo. De certo o lugar passou a se chamar assim por causa de alguma família desses gatinhos!
Essa história se passou num dia em que saí para pescar com o meu avô. Fomos pegar peixe pra comer e quase que acabamos comida. Não de peixe, mas de onça. Pois lá onde o rio Camaquã desemboca na lagoa dos Patos a selva é tão fechada que ainda existe muita onça. E essa que deparamos era uma fêmea, com filhotes, por isso, muito perigosa. Já estávamos quase chegando à barranca do rio quando a danada cismou de não deixar a gente passar. Antes que eu virasse leite de onça joguei o caniço e a latinha das minhocas e subi num pé de coquinho de uns 15 metros de altura. Meu avô correu com a bichana nos calcanhares e não tendo outro jeito, se enfiou, não sei como, num espinheiro unha-de-gato.        
A felina ainda ficou com uma das botas na bocarra. Loca de raiva estraçalhou a botina e jogou longe. Meteu a cara no espinheiro, tentou abrir com as garras, mas não teve jeito. Então foi pro coqueiro e tentou subir. Eu me enfiei lá nas palhas e não queria nem olhar. Olha que as onças sobem em árvores, mas em tronco reto assim não conseguem chegar muito no alto. Foi minha sorte. Com fome e irada com a nossa presença - vai ver que a gente tinha espantado as capivaras que ela tava tocaiando - a bichana ficou rosnando, ora no espinheiro ora no coqueiro. Ainda joguei dois sapos que eu trazia no bolso pra isca de traíra. Ela comeu os petiscos e ficou esperando o prato principal.
E assim o dia foi passando até que lá pelas quatro horas a danada desistiu e foi dar de mamar pros seus gatinhos. Com muito jeito desci do coqueiro e fui ver se tirava o meu avô do espinheiro, mas o velho nada de sair, todo espetado que estava. Tentei cortar uns galhos com o facão e a coisa piorou, pois os espinhos encurvados se enterravam mais nas carnes e ele me mandou parar.
Quando vi que não tinha jeito resolvi: ele mesmo me ensinara que um homem em perigo faz coisas impossíveis. Decidido a ir pescar, juntei uns galhos secos, umas palhas de coqueiro e folhas e fui amontoando em cima do espinheiro. O coroa ainda falou: - mas guri, o que é que tu vais fazer? Não dei nem bola. Quando o monte tava grande taquei fogo, peguei o caniço e as minhocas, e fui andando.
Num instante o meu avô me alcançou.
Ainda voltamos pra casa com cinco traíras de uns dois quilos cada uma.


Lembranças do meu avô José Custódio Lellis (1909-2012) cuja papeleta de subida andou estraviada.





no tempo em que eu era "índio" com meu cachorrinho Teco